Tecnologia: Ravulizumabe frasco ampola para administração intravenosa Indicação: Tratamento de pacientes adultos e pediátricos com síndrome hemolítico-urêmica atípica (SHUa). Demandante: AstraZeneca. Introdução: A SHUa é uma desordem rara e grave, pertencente a um grupo de condições conhecidas como microangiopatias trombóticas (MATs). Essas condições são caracterizadas por hemólise microangiopática, trombocitopenia e trombos em pequenos vasos, resultando em danos a órgãos vitais. A principal causa da SHUa é a desregulação da via alternativa do complemento, que leva a uma ativação descontrolada desse sistema. Essa disfunção, frequentemente associada a mutações genéticas ou fatores autoimunes, provoca inflamação e ativação das células endoteliais, causando danos ao endotélio vascular. De acordo com o Registro Brasileiro de SHUa, liderado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia entre 2017 e 2020, 75 casos de SHUa foram registrados. A incidência da SHUa é mais alta em crianças menores de 5 anos e em adultos acima de 65 anos, grupos mais vulneráveis a infecções que podem desencadear a doença. Estima-se que a SHUa tenha uma incidência rara, variando entre 0,2 e 2 casos por milhão de pessoas ao ano. O diagnóstico da SHUa baseia-se em análises bioquímicas e hematológicas que confirmam uma MAT, focando na determinação da etiologia subjacente e na exclusão de outros diagnósticos, especialmente na ausência de histórico familiar. Atualmente, não existe um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) específico do Ministério da Saúde para a SHUa. No entanto, diretrizes internacionais recomendam que o tratamento siga duas abordagens principais: medidas de suporte para controlar as complicações e intervenções específicas para interromper e reverter os efeitos da MAT. As medidas de suporte incluem abordagens como a terapia plasmática, que visa remover os fatores responsáveis pela desregulação do sistema complemento, e transplantes renais ou hepáticos em casos de comprometimento grave dos órgãos. Além disso, corticosteroides, imunossupressores e diálise podem ser utilizados, dependendo do quadro clínico do paciente.
Pergunta: “O uso de ravulizumabe é eficaz, efetivo e seguro no tratamento de pacientes adultos e pediátricos com síndrome hemolítico-urêmica atípica (SHUa), que são virgens de tratamento, já receberam tratamento prévio ou estão em tratamento com eculizumabe?”
Evidências clínicas: Foram incluídos quatro ensaios clínicos não randomizados de braço único na síntese de evidências do Dossiê. Inicialmente, o demandante baseou sua pergunta de pesquisa e o acrônimo PICOS no tratamento com eculizumabe. No entanto, o comparador não foi considerado adequado, já que o eculizumabe não está disponível para o tratamento de SHUa no SUS. Dessa forma, foi elaborada uma nova pergunta de pesquisa. Um novo PICOS, e uma nova busca sistematizada foi realizada em 03/09/2024. Após a atualização, foram identificadas 273 publicações, das quais, após leitura completa, oito artigos foram incluídos, sendo seis apresentados no Dossiê do demandante e dois estudos observacionais publicados recentemente. Dentre os desfechos considerados na nova pergunta PICOS, a resposta completa à MAT é o mais relevante para o tratamento de pessoas com SHUa. Em geral, os estudos indicaram taxas de resposta completa à MAT entre 26 e 52 semanas de acompanhamento, tanto na população adulta quanto na pediátrica, variando de 54% em 26 semanas a 94% ao final de 52 semanas. Este resultado foi mantido em após dois anos de tratamento com ravulizumabe. Os estudos observacionais demonstraram que, após o início do tratamento com ravulizumabe, 100% dos pacientes apresentaram resposta completa à MAT. Parâmetros como contagem de plaquetas, níveis de LDH, hemoglobina e creatinina mostraram normalização para a maioria dos participantes, com variação de 70% a 94%. O tempo de resposta à MAT variou entre 30 e 86 dias nos estudos avaliados. A interrupção da diálise foi observada em aproximadamente 78% a 100% dos pacientes. A qualidade de vida foi avaliada pela ferramenta FACIT-Fatigue, uma escala que abrange fadiga física, funcional, emocional e suas implicações sociais. Os estudos relataram um aumento mediano de 20 pontos na escala, refletindo uma melhora na qualidade de vida dos pacientes. Quanto aos desfechos de segurança, os eventos adversos graves mais recorrentes foram hipertensão, pneumonia e infecções. No estudo pivotal (Rondeau et al., 2020), foram relatados eventos adversos fatais associados ao uso do medicamento, incluindo dois casos de choque séptico e uma hemorragia cerebral. Todos os estudos apresentaram muito baixa certeza da evidência, devido à ausência de um braço comparador e ao alto risco de viés.
Avaliação econômica: Uma avaliação de custo-utilidade (ACU) foi realizada com objetivo de avaliar os custos e benefícios do medicamento ravulizumabe, em comparação a plasmaferese, no tratamento de pacientes com SHUa. O demandante apresentou um modelo de Markov e foram adotados dez diferentes estados de saúde dos quais quatro estão relacionados aos estágios de doença renal crônica (0-2, 3a-3b, 4 e 5/doença renal em estágio terminal), dois referentes ao transplante renal, um referente ao excesso de mortalidade (mortalidade por falha ao transplante, mortalidade inerente à doença renal crônica e mortalidade inerente à SHUa) e três relacionados à interrupção da terapia com ravulizumabe pelo paciente (o estado de descontinuação terapêutica, o de recidiva e o de retomada ao tratamento após recidiva). Os ciclos foram realizados com duração de 14 dias baseando-se no período de monitoramento clínico do paciente. A análise foi desenvolvida sob a perspectiva do SUS, com horizonte temporal lifetime para a população pediátrica e adulta. Os custos assumidos no modelo consideraram o custo da terapia com ravulizumabe e plasmaferese, bem como os custos associados aos respectivos tratamentos. O modelo apresentado pelo demandante foi considerado adequado, entretanto, sugere-se adaptações acerca de parâmetros de utilidade e sobrevida de pessoas com doença renal, levando em consideração os estudos conduzidos na população brasileira. Diante disso, após a realização dos ajustes, a razão de custo-utilidade incremental (RCUI) na população adulta foi R$ 1.230.682,00 por QALY e QALY incremental de 4,44. Na população pediátrica, após os mesmos ajustes acerca da utilidade nos estados de saúde de doença renal e transplante, o RCUI final foi R$ 896.345,00 por QALY e QALY incremental de 8,46. Os resultados indicam que a RCUI excede o limiar de custoefetividade proposto pelo Ministério da Saúde para tratamentos em doenças raras(até três vezes o limiar de R$ 40.000). A menor RCUI apresentada (modelo de aquisição por importação direta) supera em cerca de 8,5 vezes o limiar de custoefetividade proposto.
Análise de impacto orçamentário: A análise de impacto orçamentário (AIO) proposta pelo demandante estimou o impacto da incorporação do ravulizumabe para o tratamento de SHUa em pacientes adultos e pediátricos na perspectiva do SUS. A análise comparou o cenário atual, sem ravulizumabe, e considerou como comparador o tratamento com plasmaferese. O impacto orçamentário foi adotado com horizonte temporal de cinco anos e o modelo incluiu os custos totais associados aos estados de saúde da ACU. Os dados populacionais foram extraídos das projeções do IBGE para os anos de 2024 a 2028. A análise de impacto orçamentário incluiu pacientes adultos e pediátricos. Seguindo a estimativa de pessoas com SHUa apresentado nos relatórios do NICE e no Relatório de Recomendação da incorporação do eculizumabe em 2019, foi considerada a prevalência média de 2,7 a 5,5 casos por milhão de habitantes e incidência de cerca de 0,4 casos a cada um milhão de habitantes. A premissa de descontinuação terapêutica e recidiva apresentada no modelo de ACU também foi aplicada nesta análise. Para a descontinuação, foram utilizados os dados do Registro Global de SHUa, Registro Brasileiro de SHUa e Painel de Especialistas. A descontinuação foi aplicada apenas aos participantes que fizeram uso do tratamento por pelo menos um ano. Para recidiva, foi considerado que 25,4% dos pacientes apresentaram recaídas ao tratamento em 26,5 meses, conforme estudo clínico do medicamento eculizumabe. A recidiva foi aplicada somente aos pacientes que descontinuaram no ano anterior. Os custos com o tratamento com ravulizumabe, plasmaferese e dos estados de saúde do ACU foram considerados. Para os custos do ravulizumabe, foi considerado que no primeiro ano de tratamento, o paciente irá utilizar uma dose maior, o que compreende o período de indução. Nos anos seguintes, foram considerados apenas os custos da manutenção de dose com ravulizumabe. Para o market share, o demandante considerou dois cenários possíveis: Cenário base (50,0% para ravulizumabe e 50,0% para plasmaferese no primeiro ano, seguido pelo aumento de 7,5% ao ano no consumo de ravulizumabe) e Cenário lento (ravulizumabe teria 45,0% do mercado, enquanto na plasmaferese 55,0%, e seria evidenciado o aumento de 5,0% ao ano no consumo de ravulizumabe). O modelo apresentado pelo demandante não apresenta problemas metodológicos que requerem correções. No entanto, para alinhar a análise de impacto orçamentário a possíveis necessidades do Ministério da Saúde, o impacto orçamentário foi recalculado, considerando apenas os custos diretos dos tratamentos, com o ravulizumabe e a plasmaférese. Além disso, a descontinuação foi ajustada de acordo com os dados do Registro Brasileiro de SHUa e com as orientações do painel de especialistas, visto que este cenário reflete uma realidade mais plausível. No Cenário base e com descontinuação, segundo o Registro Brasileiro de SHUa e Painel de especialistas, o impacto orçamentário incremental apresentou uma variação de R$ 348.534.609,00 no primeiro ano e R$ 356.037.887,00 ao final do quinto ano. O acumulado em cinco anos neste Cenário foi de R$ 1.651.356.071,00. No Cenário de difusão lenta e com descontinuação, o impacto orçamentário incremental variou de R$ 313.681.148,00 no primeiro ano a R$ 307.947.278,00 ao final do quinto ano, e o acumulado em cinco anos foi de R$ R$ 1.448.907.082,00.
Experiências internacionais: O NICE (Reino Unido) reconheceu a utilidade clínica do ravulizumabe e emitiu parecer favorável para a incorporação como opção de tratamento para a SHUa em pacientes que não tenham recebido inibidores do componente 5 do complemento (C5) anteriormente ou que tenham respondido ao eculizumabe após pelo menos três meses de tratamento. O NICE destacou a vantagem da posologia do ravulizumabe em comparação com o eculizumabe, embora ressalte as incertezas relacionadas à falta de estudos comparativos diretos e ao modelo econômico apresentado. O SMC (Escócia) apresentou recomendação positiva para o uso do ravulizumabe no tratamento de pacientes com SHUa que tenham peso corporal ≥ 10 kg e que não tenham recebido inibidores do complemento anteriormente ou que tenham evidência de resposta ao eculizumabe. A decisão foi tomada com base nas evidências de eficácia e segurança disponíveis. A CDA-AMC (Canadá) emitiu parecer favorável ao reembolso do ravulizumabe para o tratamento de adultos e pacientes pediátricos com SHUa, com evidência de MAT progressiva e dano ou disfunção em pelo menos um órgão. O reembolso está condicionado a critérios de prescrição específicos e ao alinhamento de custos com o inibidor de complemento com menor custo disponível. O PBS (Austrália) recomendou o uso do ravulizumabe para a SHUa, com prescrição adequada por especialistas e monitoramento contínuo dos custos, além de um acordo de compartilhamento de riscos para garantir o controle financeiro. A recomendação não abrange pacientes hospitalizados em instituições públicas.
Considerações finais: O uso do ravulizumabe em pacientes com SHUa demonstrou eficácia e efetividade na melhora dos parâmetros hematológicos, da função renal e da resposta à MAT, apesar de as evidências serem limitadas a estudos não randomizados e coortes retrospectivas. A maioria dos eventos adversos foi leve a grave, sem casos de infecção meningocócica relatados, mas houve relatos de eventos adversos associados ao medicamento. Em geral, a certeza da evidência para os desfechos avaliados foi de muito baixa, entretanto, ressalta-se que a ferramenta GRADE não possui adaptações específicas para estudos realizados em populações raras, o que exige ponderação das limitações inerentes a esse tipo de delineamento. A ACU mostrou uma RCUI de R$ 1.230.682,00 por QALY na população adulta (com 4,44 QALYs incrementais) e de R$ 896.345,00 por QALY na população pediátrica (8,46 QALYs incrementais). A AIO, considerando dois cenários de participação de mercado, projetou um impacto de R$ 348,5 milhões no primeiro ano e de R$ 1,6 bilhão no acumulado de cinco anos, no Cenário base, e de R$ 313,6 milhões no primeiro ano e de R$ 1,4 bilhão no acumulado de cinco anos, no Cenário de difusão lenta.